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Crítica | Atlantic Avenue – 2013 (EUA – França)


Indisponível


“ Como faremos isso? “

“Cuidado, eu sou frágil, está bem?”



Atlantic Avenue
Cartaz

Deixem-me explicar o aviso de indisponível mais acima: recebi a notificação da plataforma Filmicca de que alguns filmes sairiam do catálogo dia 02/06. Aproveitei um fim de semana e corri para assistir o máximo de filmes possível. Por sorte, quase todos eram curtas metragens, e pude ver praticamente todos. Um deles me chamou muito atenção, a ponto de vê-lo três vezes e resolvi escrever porque, quem sabe, entre em outra plataforma de streaming um dia.


Com direção e roteiro de Laure de Clermont – Tonnerre, a sinopse do filme, esse mecanismo que (dia sim e outro sim também) costuma nos enganar, fala sobre a descoberta do amor pela personagem de Celeste, uma garota PcD com um jovem prostituto. Parece um tanto simplista não é verdade? E é.


A diretora Laure que é também atriz (Crônica da Inocência, 2000) dirigiu outro filme que gosto bastante, apesar de não ter lido o romance e nem visto as outras 5 adaptações (leu certo, o livro tem ao menos 6 adaptações): O Amante de Lady Chatterley, 2022, disponível na Netflix.


Atlantic Avenue
Jeremiah

Dois personagens às margens da sociedade: Jeremiah (Brady Cobert de Misterius Skin, 2004) um garoto de programa para homens e Celeste (Leopoldine Huyghues Despointes de Big House, 2015), a garota de 17 anos portadora de uma deficiência que a faz usar cadeira de rodas, a conhecida doença dos ossos frágeis (Osteogenesis Imperfecta).


Atlantic Avenue
Celeste

Com o uso de paletas de cores em tons pastéis sugerindo certa aridez vemos a dinâmica dos garotos de programa do lado de fora de uma estação de trem à espera de clientes e alguns diálogos “laterais” sugerem uma convivência com violência entre eles e não só com os clientes.


O som da chegada e saída dos trens nos transmite uma opressão que conjugado com planos abertos da cidade e da estação, sentimos o peso da solidão que grandes cidades podem nos proporcionar, ainda mais para as minorias excluídas de direitos.


Após um quase acidente mais grave entre a cadeira de Celeste e um carro, na qual Jeremiah a ajuda e aproveita para fazer uma abordagem sexual ao motorista, percebemos que nasce um interesse dela pelo jovem.


Através de planos abertos e estáticos que evidenciam a dureza das estruturas que sustentam as linhas de trem, assistimos Celeste abordar Jeremiah ao longe, pedindo sua atenção. Contrapondo a paleta de cores áridas que marca o filme, nossa personagem veste casaco amarelo e cachecol (ou seria echarpe?) verde em tons pálidos, entretanto, é a personagem mais colorida em tela.


A grandeza dos lugares enquadrados colocam em evidência a fragilidade de Celeste com sua cadeira de rodas. No enquadramento na qual Jeremiah percebe a abordagem dela, o personagem está à esquerda e na parte de baixo da tela, demoramos a encontrá-lo, o que nos diz muito sobre a desimportância dele nessa sociedade.


Atlantic Avenue
Atlantic Avenue
A bandeira americana a espreitar seus filhos

Os dias passam em sua economia dos afetos, transbordando tédio. A montagem (Geraldine Mangenot e Nicholas Biagetti) que traduz a passagem de tempo nos impregna de melancolia e empatia. Um convite para ir ao cinema, um breve espanto e sorriso pelo convite, mas a declinação do mesmo. Não há lugar para distrações, não há lugar para o prazer, até porque aqui, o único prazer é o sexual, mas, mesmo assim, é usado para ganhar a vida.


Neste ponto volto à provocação inicial: é simplista o encontro de Celeste com o amor do Jeremiah como narrado na sinopse. Ela não desiste dele e o convite para o cinema se transforma em convite para uma transa, que será paga. Frágil fisicamente, Celeste se investe de coragem e assume que quer aquela pessoa, não importa o que ele faz da vida. Há relutância por parte dele, inclusive pela sua deficiência, mas ele topa.


Ela quer amor e ser amada. Não há aqui amor romântico, conto de fadas ou príncipe encantado. O príncipe e a princesa são os invisibilizados da sociedade. O amor para eles pode ser uma transa, uma fração de cuidado e atenção. Uma pausa do trabalho árduo nas ruas, uma grana recebida ao final do dia. O reconhecimento mútuo de que há mais coisas em comum do que se imagina.


A paleta de cores se torna azul, um azul pálido, mas, que representa o enlace dos personagens. A boca surge vermelha, carmim. O amor pode ser o encontro, mesmo que breve, de melancolias e inadequações, dentro da brutalidade do que é se viver à margem.


Atlantic Avenue


Curiosidades: a atriz que vive Celeste, Leopoldine Huyghues Despointes, é PcD e produtora do filme, que é o seu primeiro, tendo dois no currículo. Também é fundadora e diretora da organização sem fins lucrativos (Dis)ABLED Visionaries, cuja missão é essencialmente provar que estar em uma cadeira de rodas — ou ter uma deficiência — não é um obstáculo para a felicidade nem para o sucesso.

A diretora francesa Laure de Clermont – Tonnerre ganhou alguns prêmios com seu primeiro longa, The Mustang, 2019. Além de Atlantic Avenue, ela dirigiu outro curta, Rabbit de 2014.

Brady Corbet é diretor de VoxLux (2018), roteiro seu e de sua esposa a atriz norueguesa Mona Fastvold. Também dirigiu The Brutalist que levou 3 Oscars em 2025 e cujo roteiro é também do casal repetindo a dobradinha.

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