Celine Song faz sua estreia em Hollywood como diretora e roteirista de um filme que é uma autobiografia própria, que fala sobre emigração, escolhas, perdas e ganhos, ou seja, é um longa que foca em memórias. Esse tipo de projeto está alta no mercado dos filmes independentes, e que também tem atraído grandes cineastas a fazerem esse tipo de exercício e projetos, os meus favoritos são do Spielberg que fez (Os Fabelmans), e do Paul Thomas Anderson (Licorice Pizza).
Temos aqui um longa feito com muito amor, dedicação e com uma sensibilidade enorme, que não soa como genérico muito pelo contrário, e que tem um primor técnico apurado, pois cada plano ajuda a contar essa história, como é comum se falar no círculo da crítica e entre os cinéfilos, mais importante do que é a trama, é como se conta essa trama através dos inúmeros elementos narrativos que o cinema proporciona, e aqui para mim todos eles funcionaram de maneira efetiva, tais quais as inteligentes e belíssimas rimas visuais, as mudanças chave em momentos essenciais entre os planos abertos e os planos fechados, entre outros recursos que está impresso na tela, e que às vezes não será fácil perceber, mas quando se nota, o impacto é muito maior em nossa percepção.
Na cena de introdução desse filme a câmera nos coloca como observador de uma situação, de longe acompanhamos três pessoas, dois homens e uma mulher em um bar, de cara já notamos que o filme quer nos induzir a algumas coisas, primeiro tentar identificar a relação entre eles, se existe situação de romance, quem é o par romântico da situação e quem é o amigo, visualmente fica um pouco nítido o contraste nas características dos personagens, mas esse é o primeiro ensinamento do filme, de que nem tudo é o que parece e que ao longo da jornada nos tornaremos mais íntimos da história desses personagens.
Voltamos 24 anos e conhecemos Na Yung e Hae Sung, duas crianças que vivem sempre juntos, competindo pelas melhores notas na escola e compartilhando sonhos, aqui já notamos vários indícios visuais da cineasta, de que essa não será uma história de um romance simples, pois sempre vemos os dois se despedindo mediante uma bifurcação, ela sobe as escadas para um lado e ela segue em um terreno plano para o outro, o que pode indicar que o caminha de Na Yung é mais dificil, mas ela enxerga o topo, já o de Hae Sung não conseguimos ver o fim, ou seja, ele está perdido no seu caminho? Entre esses planos temos o primeiro rompimento, a família de Na Yung vai imigrar para a América, então os amigos terão que se despedir, mas no diálogo entre os pais dos dois, tem uma frase que martela na nossa cabeça, que é "na vida temos sempre que fazer escolhas, e sempre perdemos algo no caminho, mas também sempre ganhamos" temos fé e acreditamos que o que iremos ganhar seja melhor, mas a vida não é assim, e muitas vezes não temos como corrigir se algo der errado, não existe o e se, não temos múltiplas realidades para viver cada decisão que tomamos, como no livro de Matt Haig "A Biblioteca da Meia-noite", mas o que eu acredito que é transmitido no filme é que nunca será uma decisão fácil renunciar as coisas boas, de pessoas que amamos, para seguir aquilo que você acredita é o melhor para si, mas a vida cobra um preço, estamos dispostos a pagar por ele seja ele bom ou ruim?
No longa teremos mais dois saltos temporais cada um de 12 anos, não quero aqui dar spoiler do filme, mas basicamente nossos personagens se reencontram inicialmente através da internet e depois se encontram pessoalmente, Na Yung agora se chama Nora e é uma dramaturga e é casada com um dramaturgo e ambos vivem em New York, Hae Sung por sua vez está estabilizado na vida e tem uma namorada, mas ambos sabem que existem coisas inacabadas entre eles, e que no decorrer da trama ambos tiveram que tomar decisões que sempre os fizeram afastar.
Nora sem dúvida é a que mais sente que essa relação vai lhe causar dúvidas, enquanto tentava escrever e seguir sua vida, sempre tinha esse pé na Coreia, inclusive verbalizado no texto que em alguns momentos se pegava olhando o preço das passagens para retornar, e aqui temos para mim duas das melhores atuações do seu ano de lançamento, Greeta Lee como Nora e Teo Yoo como Hae Sung, um trabalho difícil onde traz muitas camadas através das expressões faciais e do uso do corpo na totalidade, existem sentimentos reprimidos de ambos que não são verbalizados e você percebe o desconforto, quando eles estão em cena, principalmente quando se reencontram 24 anos após a primeira despedida.
Vidas Passadas é um grade filme de drama que tem méritos enormes, por ser um longa de uma diretora estreante, mas que demonstra ter um sensibilidade enorme, juntamente com sua equipe, principalmente com a montagem e fotografia, até na escolha acertada do casting, é um filme que vai impactar cada expectador de forma diferente, mas que tem como grande trunfo o foco em nos trazer reflexões, afinal deixar para trás quem amamos, renunciar a um lugar, mesmo que seja difícil e doloroso tem que ser valorizado, podemos às vezes não termos a vida que planejamos com nossas escolhas, mas temos que estar bem conosco, mesmo sendo uma escolha feita de coração, a vida nos cobra cada escolha, alguns tem sorte em corrigir, outros jamais.
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