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Crítica |Antes do Amanhecer I A eternidade contida em uma noite

Atualizado: 12 de jun.

Em 1995, nos cinemas, o gênero comédia romântica e romance estavam em seu auge, não à toa que foram lançados 3 grandes filmes, Sabrina (Um remake do filme de 1954) As pontes de Madison (Meu texto anterior), e Antes do Amanhecer, filme no qual estarei tentando escrever algo relevante, tamanho impacto.


Já perdi as contas de quantas vezes eu vi esse longa, mas sempre tem algo que me chama atenção - minha vida sempre atravessa alguma fase no momento que vejo ele, e cada assistida tem significado, peso e uma nova leitura, o que é incrível e demonstra o quão especial é essa obra.


"Antes do Amanhecer , dirigido por Richard Linklater não é apenas um filme — é uma experiência sensorial e filosófica envolta na simplicidade. Um filme que abraça a banalidade com reverência, e encontra, nos fragmentos mais comuns da vida, a centelha de algo absolutamente extraordinário. Em uma época em que o cinema romântico buscava altos dramas, obstáculos grandiosos e desenlaces redentores, seu criador ousou olhar para o que acontece entre um café e uma caminhada, entre um olhar trocado no metrô e uma despedida sussurrada ao amanhecer. E é exatamente aí, nesse espaço entre os grandes acontecimentos, que o filme floresce — e transforma o passageiro em eterno.


A história é desarmantemente simples: Jesse (Ethan Hawke), um jovem americano, conhece Celine (Julie Delpy), uma estudante francesa, em um trem para Viena. Os dois engatam uma conversa casual que evolui rapidamente para uma conexão profunda. Jesse a convida para descer com ele em Viena e passar a noite andando pela cidade antes que ele embarque em seu voo de volta para os Estados Unidos na manhã seguinte.

A narrativa se desenrola quase em tempo real, em longas conversas que oscilam entre o banal e o sublime. Não há reviravoltas dramáticas, vilões ou grandes declarações de amor. Ao contrário: o filme aposta no poder da intimidade, na força das ideias trocadas e na mágica que acontece quando duas almas se encontram de forma honesta e vulnerável. É um cinema do silêncio, das pausas, das palavras que soam como confidências. Um cinema da escuta.


O roteiro, escrito por Linklater e Kim Krizan, é uma joia rara no panorama cinematográfico. Sua construção é meticulosa, mas nunca parece artificial. Os diálogos fluem com uma naturalidade desconcertante, alternando entre filosofia, política, literatura, experiências pessoais e observações cotidianas. O que poderia parecer um excesso em intelectualização se transforma, nas mãos do elenco e da direção, em pura humanidade.


Há uma cadência nas conversas, um ritmo quase musical — ora melódico, ora sincopado — que aproxima o filme mais de uma partitura do que de um roteiro convencional. Celine e Jesse se desnudam com palavras, com histórias, com memórias e medos, e o espectador se torna cúmplice desse desvelamento lento e doce. O roteiro não impõe significados; ele sugere, provoca, convida à reflexão.


Ethan Hawke e Julie Delpy não apenas interpretam Jesse e Celine; eles são Jesse e Celine. A química entre os dois é absolutamente magnética, mas não no sentido tradicional da sedução cinematográfica. Há entre eles uma curiosidade real, uma escuta mútua, uma busca autêntica por conexão.


Hawke traz ao personagem uma mistura de cinismo e romantismo envergonhado, um ar de quem quer parecer blasé, mas é tocado por cada palavra que ouve. Já Delpy ilumina a tela com a profundidade das suas pausas e a expressividade do olhar — Celine é tanto racional quanto sonhadora, intensa e delicada, cheia de contradições que tornam sua presença hipnotizante.


É uma atuação que parece improvisada de tão orgânica, mas que exige precisão emocional e uma entrega total ao momento. Cada gesto, cada sorriso hesitante ou olhar fugidio, carrega um mundo de significados.

Linklater filma Viena não como um cenário turístico, mas um território emocional, onde cada rua é uma extensão dos personagens. A direção é discreta, fluida, quase invisível. A câmera acompanha Jesse e Celine como um terceiro elemento da conversa, ora espreitando, ora se afastando respeitosamente.


A cena dos dois personagens em uma loja de discos é genial, pois qualquer cineasta sem sensibilidade usaria aquele momento para acontecer o beijo dos personagens, tamanha atmosfera criada e o envolvimento do público. Mas Linklater sabe que esse não é o momento, ele nos provoca, nos desafia e cria em nós expectadores a maior ansiedade que o cinema do gênero deve ter sentido (Eu me senti assim).

É importante destacar a montagem: o filme respeita o tempo dos personagens, sem cortes excessivos, permitindo que o espectador viva a conversa, respire junto com os protagonistas. A sensação é de que estamos caminhando ao lado deles, envolvidos na mesma atmosfera etérea.

"Antes do Amanhecer " é um sussurro em meio ao ruído. É um filme que não busca impressionar, mas tocar. Que não quer dominar o espectador com emoção fabricada, mas permitir que ele se descubra no silêncio, no olhar, na dúvida.


É uma ode ao instante, à juventude, ao acaso, Um filme sobre estar vivo — com todas as perguntas, confusões e epifanias que isso envolve. Um filme que compartilha, que escuta, que entende. E que permanece, como as melhores noites da vida, gravado para sempre na memória.



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