O senhor dos Anéis - A Guerra dos Rohirrim, novo longa-metragem dirigido por Kenji Kamiyama, é curiosamente feito em forma de anime, abrindo portas para possíveis novos formatos a serem explorados em adaptações dos livros de J.R.R.Tolkien.
A história é baseada em uma curta passagem dos Apêndices de Tolkien (mais especificamente: Apêndice A: Anais dos Reis e Governantes, II - A Casa de Eorl, publicado após o final de “O Retorno do Rei”) e traz interessantes e ousadas criações para o preenchimento do enredo, a começar pela própria personagem central.
Para os leitores de Tolkien e fãs da trilogia “O Senhor dos Anéis”, o filme agrada bastante. A nostálgica trilha sonora da trilogia já aparece na abertura e permanece como presença constante, juntamente com músicas compostas originalmente para este filme. Os cenários também são bastante fiéis, sobretudo as construções e paisagens onde ocorrem os principais eventos da trama, os mesmos que aparecem no filme “As Duas Torres”. A Guerra dos Rohirrim acontece aproximadamente 2 séculos antes dos eventos que vimos no segundo filme da trilogia, contando um pouco sobre os povos que por lá viviam e como o local recebeu o nome pelo qual viria a ser conhecido.
O filme possui muitos méritos. Em termos de animação, a qualidade é inegável, os traços são muito bem definidos e coesos. Destaque para o uso das cores e, especialmente, da iluminação, que marca de maneira bastante direta as expressões das personagens, delimitando claramente as sombras e definindo bem os contornos, tanto durante as cenas diurnas quanto as noturnas (pelo brilho do sol e da lua). O ritmo do filme também é generoso, tranquilo, mas sem se arrastar, tanto em relação aos eventos quanto aos diálogos.
A escolha mais ousada parece ser justamente em relação ao roteiro: enquanto nos Apêndices de Tolkien o rei Helm Mão-de-Martelo é a personagem central, o filme traz sua filha Hèra (que nem sequer é mencionada nos Apêndices) como protagonista. Apesar de o filme se basear e ser fiel ao que Tolkien escreveu, aqui o passo dado na criação da história é muito maior, tal é a importância que é concedida à personagem. É importante lembrarmos que a história relatada brevemente nos Apêndices nos dá apenas um contorno geral dos acontecimentos, em aproximadamente 3 páginas. O anime se propõe como expansão, criando todo um enredo para preencher e enriquecer um dos momentos históricos da Terra-Média.
Outro ponto importante a se observar é que, no audio original em inglês, a voz da narração em off é feita pela atriz Miranda Otto, que interpretou a personagem Éowyn nos filmes “As Duas Torres” e “O Retorno do Rei”.
A personagem possui uma identificação muito forte com a guerreira Hèra pelo papel que ambas desempenham.
Algumas coisas, porém, parecem não funcionar tão bem no filme. Apesar de a estética visual ser muito bem construída, alguns movimentos de câmera, apesar de interessantes, parecem destoar um pouco do todo, talvez por serem explorados em pouquíssimos momentos, dando a impressão de um certo experimentalismo deslocado. Uma cena na floresta, em especial, possui uma decupagem interessante, sugerindo uma ambientação mais mistérica e mágica, mas que não se conecta com outros momentos, acabando por parecer “solta” no filme.
Alguns pontos do roteiro também deixam um pouco a desejar. Se de maneira geral a história se desenvolve bem, algumas mudanças de cena e aparições de personagem surgem de forma abrupta, podendo gerar certa confusão na compreensão do que está acontecendo. Há um momento em que uma cena com Orcs, completamente alheia à trama, é apresentada com o objetivo de mencionar algo que se conectaria ao futuro que já conhecemos pela trilogia, mas de forma muito vaga, quase como se tivesse sido acrescentada de maneira um pouco forçada ao roteiro, sem necessidade. O mesmo acontece com a maneira como uma ou duas personagens são mencionadas mais no final do filme. Se por um lado há o valor de se procurar encontrar mais elementos para amarrar a história com o que já conhecemos pelos filmes anteriores, por outro há a desvantagem de o filme se desequilibrar como obra autônoma. Isso poderia até fazer sentido se futuras produções estivessem sendo planejadas, em que este filme fosse o primeiro de uma série, e em que tais elementos reaparecessem conectados e melhor desenvolvidos. Mas não parece ser o caso... A impressão que nos chega é que houve tentativa de inserção de alguns elementos para se garantir uma conexão mais forte com a trilogia, mas que o roteiro não desenvolveu. Isso não quer dizer que o resultado não seja do agrado de muitos fãs.
Algumas personagens são muito bem desenvolvidas, mas outras nem tanto. Enquanto Helm Mão-de-Martelo é ricamente explorado em diversos aspectos, inclusive nas possibilidades visuais, a irredutibilidade do vilão Wulf torna a personagem quase esteriotipada. Wulf, como motivação que impulsiona os conflitos, é fraco e previsível, e não se iguala à grandeza de outras personagens. Por conta disso, o flash-back da infância feliz e harmoniosa entre Wulf e Hèra, que poderia enriquecer a personagem, acaba perdendo muita força e relevância durante quase todo o filme.
Portanto, “O Senhor dos Anéis - A Guerra dos Rohirrim” é um bom filme, com diversas qualidades em muitos aspectos, desde a iniciativa até a realização. Porém, deixa a impressão de que teria muito mais potencial, parecendo desperdiçar várias ideias interessantes que a própria animação apresenta ou tangencia. Ainda assim, mesmo sendo um filme que não alcança a grandiosidade com que o universo de Tolkien foi apresentado a nós na trilogia, acredito que deva ser valorizado e apreciado por seus méritos, pelas positivas ousadias, e que cumpra um bom papel, conquistando o seu espaço no mundo do cinema e no coração dos fãs.
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