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Crítica| A Felicidade Delas – 2018 (Brasil)

Disponível em Itaú Cultural Play



A Felicidade  Delas
Cartaz

Eu sei que é um tanto clichê, mas gosto de iniciar o texto com alguma frase que me marcou ao assistir um filme. Desta vez não teremos, pois a experiência de assistir o curta metragem A Felicidade Delas é puramente sensorial e visual, sem qualquer diálogo.


Descobri há pouco tempo a produtora Manjericão Filmes que possui poucas obras em seu currículo, não cheguei a ver todos, mas, percebo um diferencial importante nesses tempos um tanto sombrios politicamente falando: a diversidade. É deles também o filme Levante (2023) cuja crítica está no blog.



Duas jovens negras sem nome, participam da marcha mundial das mulheres e seus olhares se cruzam sutilmente durante o evento. Para variar, a polícia militar invade a passeata com sua violência de costume, e nossas personagens, como todas ali, fogem. Uma delas é capturada pela polícia e é salva pela outra, correm e se escondem num prédio abandonado.



A Felicidade  Delas
A Felicidade Delas


A Felicidade  Delas
A Felicidade Delas

Com direção e roteiro de Carol Rodrigues, podemos dizer que a estória se divide em dois tempos e espaços: a sequência da marcha e da fuga até o esconderijo e, a exploração do espaço pelas nossas personagens interpretadas pelas atrizes Ivy de Souza (Mania de Você, telenovela) e Tamires Ohanna (Segunda Chamada, série).


Pesquisei, mas não encontrei nada que esmiuçasse a mise en scène referente à marcha e fuga da polícia. Isso porque são cenas muito bem filmadas com um senso de realidade muito palpável. O que vemos ali pode ser uma marcha que aconteceu realmente e filmar numa situação que se desenrola “ao vivo e em cores” requer, no meu simplório olhar, muito talento, inclusive da montagem ágil (Paula Mercedes), trazendo urgência ou lentidão nas horas certas.


Graças ao espetacular desenho de som (Olivia Fiusa, Guile Martins e Pedro Noizyman) mergulhamos na estória das personagens, sem diálogos e nem trilha sonora, o que à primeira vista poderia afastar o interesse pela obra. O curta é todo entrelaçado nos sons da rua, os gritos de protesto durante a marcha, diálogos ao longe, carros da polícia, seus rádios e suas sirenes infames, além das bombas de efeito moral. Mesmo durante a exploração do prédio pelas duas, esses sons não nos deixam esquecer o que acontece lá fora.


A Felicidade  Delas
A Felicidade  Delas

A fotografia de Julia Zakia usa as cores, principalmente o azul e vermelho de forma eficiente. O primeiro traz a sensação de sonho, e o segundo ao perigo sempre iminente, mas não só. O vermelho do giroflex da polícia subverte o perigo transformando-o em tesão absoluto entre as personagens.


Dentro do prédio percebemos a alternância em quem conduz e quem é conduzida, através da luz do celular, pelos caminhos labirínticos do local, nos enchendo de curiosidade. Uma rima visual entre rostos grafitados na parede e os das personagens é responsável pelo primeiro alívio da tensão pós fuga: o sorriso finalmente esboçado, dando espaço à continuação daquilo que começou durante a marcha. Até porque, se me permitem o comentário, a polícia como instituição, empata até f**a.


Confesso que a cena na qual uma das personagens pega a tinta e resolver fazer um grafite, não me esquecerei tão cedo: uma das cantadas mais criativas que já vi.


A polícia volta a se aproximar, as personagens se escondem mais uma vez, só que, agora num cubículo e, a partir daí, as corpas ficam sem espaço, mas apenas ali, na concretude das paredes. Elas começam a se reconhecer, se tocar, se friccionar, numa cena lindíssima, sem espaço (desculpem o trocadilho) para moralismos e preconceitos. Elas se inundam, e toda a cidade também.


Curiosidades: A diretora Carol Rodrigues é uma diretora negra e dizer isso pode soar condescendente vindo de uma mulher branca, mas, percebam a importância histórica disso. Ela é roteirista das séries (algumas temporadas) Pico da Neblina, Escola de Gênios e 3%. Finalizou Criadas, seu primeiro longa.

Nos agradecimentos são citados os moradores da ocupação 9 de julho, o que enche meu coração de alegria.

Estreou mundialmente no 6º VIS Vienna Shorts (Viena, 2019 cujo tema foi a coragem e a vontade de mudar)

Premiado em: Menção Honrosa – 12º Festival Entretodos, 2019; Prêmio Melhor Filme Nacional (Júri Oficial);

Menções Honrosas do Prêmio Fepec e do Prêmio ABD/APECI – VII Recifest Festival de Cinema de Diversidade Sexual e de Gênero, 2019; Prêmio Júri da Crítica e Prêmio de Melhor fotografia (Julia Zakia) – FOR RAINBOW Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual de Fortaleza, 2019.

Participação em mais de 17 festivais e mostras.





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