Crítica |Síndrome da Apatia (Quiet Life) – 2024 (Grécia/Suécia)
- Pê Dias
- 12 de jun.
- 4 min de leitura
“Estão gostando da Suécia?”
Disponível: a partir de 12 de junho nos cinemas

Em 2013 o diretor grego Alexandros Avranas causou muito burburinho com seu filme Miss Violence que recebeu muitos elogios de grande parte da crítica, entretanto, alguns o acusaram de perder qualquer moral e de naturalizar os acontecimentos daquela obra. Quando o assisti poucos anos depois, apesar de ter gostando bastante, fiquei tão impactada que jurei que nunca mais o assistiria e, posta esta frase, podemos rir bastante desse juramento.
Retornei ao filme após assistir Síndrome da Apatia durante o 1° Festival de Cinema Europeu Imovision deste ano e achei importante fazer essa revisitação pois, os dois filmes se aproximam bastante em contexto político e em estética.
Em Miss Violence o contexto era de uma Grécia administrada através de sucessivas eleições por governos autoritários, que implementaram políticas de austeridade impostas pela UE e o FMI e, como resultado, privatizações, desregulamentação financeira e trabalhista. Esse é o ambiente na qual conhecemos o patriarca Philippos e todo regime de absurdas violências e abusos que ele pratica com sua esposa, filhas, netas e netos.
Síndrome da Apatia (prefiro o título no original) tem em sua premissa casos reais de uma misteriosa doença que se abate nas crianças e adolescentes refugiados, fenômeno misterioso e profundamente palpável. O contexto aqui é a crise dos refugiados que se agrava cada vez mais e, cujo, cinema está produzindo inúmeras obras interessantes entre ficção e documentário.

A narrativa (roteiro do próprio Alexandros e Stravos Pomballis) segue a família Gallitzin migrada da Rússia e todo o seu processo em conseguir asilo político e residência permanente na Suécia. Sergei (Grigoriy Dobrygin, O Homem Mais Procurado, 2014) é o pai desta família e o dissidente político que precisa sair daquele país. Com ele estão sua esposa Natalia (Chulpan Khamatova, Adeus Lenin!, 2003) e as duas filhas, a caçula Katja (Miroslava Pashutina) numa interpretação surpreendente e Alina (Naomi Lamp).
Sergei e Natalia eram professoras na Rússia e por discordar da falta de democracia naquele país, ele sofreu violência física testemunhada por sua filha Katja, que deverá numa das entrevistas para obtenção de visto permanente, falar do que viu já que, para o Estado Sueco, Sergei não apresentou provas contundentes da violência sofrida no seu país de origem. Katja ao se deparar com essa responsabilidade, contrai a síndrome, também chamada de síndrome de resignação.
O filme é muito bom em (des)retratar uma Suécia vista como um país civilizado de elevado bem estar social e riqueza. Isso tudo pode ser verdade, mas para os seus. A família Gallitzin tem visto temporário, recebe do governo alimentação e residência. Mas esse pacote de acolhimento é apenas uma superfície.
Um ponto bastante curioso é que a família Gallitzin destoa um tanto da imagem que temos de refugiados africanos, sírios ou afegãos. Eles são brancos, bem vestidos, loiros, parecidos com os próprios suecos. No filme Zona de Exclusão (crítica no blog) de Agnieszka Holland uma cena final mostra a diferença de tratamento entre exilados muçulmanos, dentre outros, e os ucranianos. E, evidentemente não são menos refugiados que os outros.
A estética vista em Miss Violence se repete aqui com enquadramentos estáticos colocando a família em uma forma de prisão. Por vezes os planos nos transformam em espectadores atentos e apáticos. Ou não tão apáticos assim, já que a cada absurdo visto na tela é capaz (espero que sim!) de nos tirar de nosso comodismo, este que tenta nos convencer que nada lá fora pode nos atingir de alguma forma.
A fotografia de Olympia Mytilinaiou opta por cores que vão do azul ao cinza com tons dessaturados, transmitindo uma frieza incômoda não só nos planos conjunto e aberto, mas na postura dos personagens, principalmente aqueles que representam o Estado.

Ao contrário de Miss Violence na qual as situações e as máscaras vão se descortinando aos poucos ativando nosso “modo” horror, aqui a narrativa é mais elegante e desde o início sabemos que a caminhada será árdua, o que não significa menos espantosa.
Cenas como as entrevistas nas quais a família é submetida, a visita de funcionários (talvez da imigração) à casa dos Gallitzin, assim como a clínica na qual Katja é internada, tudo aqui soa absurdo e bizarro. E o que não dizer sobre o “tratamento” em que Sergei e Natalia são submetidos para controlar a raiva e a indignação? Positividade tóxica em nível máximo eu diria, uma eficiente forma sutil de tortura.
O trabalho do elenco é extraordinário. Sergei modula entre um semblante sofrido e sério até a explosão com Alina, sua filha mais velha, que está sendo preparada para mentir na próxima entrevista, como um recurso desesperado de ficar naquele país. Natalia é a expressão da mulher em eterno cansaço e desesperança. Katja e Alina como sempre, as que mais sofrem por não entenderem exatamente o que acontece com todos eles.
Mas eis que conhecemos Adriana (Eleni Roussionou, Miss Violence, 2013), personagem que sentiu na pele o que a família Gallitzin passa. Talvez aqui alguma esperança possa traçar outro caminho para essa família que como tantas outras, parece não ter lugar no mundo, esse lugar enorme e cheio de fronteiras que barram quase tudo, menos a violência institucional.
Ao final do filme mais uma vez nos perguntamos: há resolução para a crise migratória? E se não houver solução, a síndrome só tenderá a aumentar tragicamente.

Curiosidades: A atriz Eleni Roussionou já vai na quarta parceria com o diretor Alexandros Avranas.
A diretora de fotografia Olympia Mytilinaiou foi parceira também em Miss Violence.
Síndrome da Apatia é o único filme de ficção sobre o assunto.
O elenco e equipe é multiétnica: o diretor grego, roteirista (Stravos Pomballis) do Chipre, Naomi Lamp (Alina) sueca, Grigoriy Dobrygin (Sergei) russo assim como Natalia (Chulpan Khamatova), Eleni Roussinou é grega, Miroslava Pashutina (katja) é russa mas, vive na Suécia e a diretora de fotografia, francesa.
A Síndrome da Apatia ou resignação é uma doença que ainda não tem muita explicação científica, mas está ligada ao trauma, ocorrendo principalmente em crianças e adolescentes refugiados que “simplesmente” apagam, provavelmente porque a realidade a qual são obrigados a enfrentar é dura demais. Podem passar anos vegetando numa espécie de coma de voltar ao estado normal a qualquer momento.
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